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Requisições administrativas promovidas pelo estado de Pernambuco e possível solução para justa remuneração

Contratações diretas, sob o regime da Lei Federal nº 13.979/2020, alterada pela MP nº 926/2020, bem como pela Lei Complementar nº 425 do Estado de Pernambuco, e intervenção estatal na propriedade privada durante o período de emergência de saúde pública.

Recentemente, foi editada a Lei Federal nº 13.979/2020, que dispõe sobre as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente da COVID-19, cujas modificações promovidas pela Medida Provisória nº 926/2020 consubstanciaram alterações relevantes ao regime jurídico das contratações públicas em tempos de pandemia do Covid-19.

Seguindo a mesma linha, o Estado de Pernambuco publicou a Lei Complementar nº 425/2020, que trata sobre os procedimentos para contratações destinadas ao fornecimento de bens, à prestação de serviços, à locação de bens e à execução de obras necessárias ao enfrentamento da emergência em saúde pública de importância internacional, decorrente do coronavírus, no âmbito do Poder Executivo Estadual.

De acordo com art. 4-H da Lei nº 13.979/2020, esses contratos terão prazo de duração de até seis meses, com possibilidade de prorrogação por períodos sucessivos, subsistindo a necessidade de enfrentamento da emergência de saúde pública.

Além disso, nos termos do art. 4º da Lei nº 13.979/2020, com redação dada pela MP n. 926/2020, é dispensável a licitação para aquisição de bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus.

No entanto, a referida hipótese de dispensa é temporária, adstrita ao período em que perdurar o estado de emergencial de saúde pública de importância internacional.

Essa situação de excepcionalidade, vale assinalar, levou o legislador a autorizar, em caráter excepcional, a contratação de fornecedora de bens, serviços e insumos de empresas que estejam com inidoneidade declarada ou com o direito de participar de licitação ou contratar com o Poder Público suspenso, tratando-se, comprovadamente, da única fornecedora do bem ou produto a ser adquirido (art. 4º, § 3º).

Com a mesma finalidade de simplificar, bem assim de tornar expedito o procedimento licitatório prévio à contratação, o art. 4º-F da Lei nº 13.979/2020, também incluído pela MP nº 926/2020, veio a permitir que, na hipótese de verificada restrição de fornecedores ou prestadores de serviço, a autoridade competente, excepcionalmente e mediante justificativa, poderá dispensar:

  1. a apresentação de documentação relativa à regularidade fiscal e trabalhista; ou
  2. o cumprimento de um ou mais requisitos de habilitação.

Entretanto, mantêm-se as exigências de apresentação de prova de regularidade relativa à Seguridade Social e do cumprimento do disposto no inciso XXXIII do caput do art. 7º da Constituição Federal.

Em que pese a Lei nº 13.979/2020 autorizar a contratação direta de bens e serviços para a contenção da pandemia, o Estado de Pernambuco, através do Decreto Estadual n. 48.809 de 14 de março de 2020 dispôs, em seu art. 2º, inciso IV, sobre a possibilidade de “requisição de bens, serviços e produtos de pessoas naturais e jurídicas, hipótese em que será garantido o pagamento posterior de indenização justa”.

O Art. 13 da recente Lei Complementar nº 425/20 vem corroborar com o Decreto, asseverando que nas aquisições de bens e serviços por meio de requisição administrativa, poderá, a critério da Administração, ser firmado Termo de Ajuste com o titular dos bens e serviços requisitados, fixando critérios consensuais para utilização pelo Poder Público e pagamento da justa indenização.

O Estado de Pernambuco estabeleceu, portanto, o instituto da requisição administrativa, que é forma de intervenção pública sobre a propriedade privada, mediante ato de expropriação, justificada em períodos de perigo iminente e de calamidade pública, conforme a Constituição Federal (art. 5º, XXV).

No entanto, diversamente da desapropriação, que é outra forma de intervenção do Poder Público sobre a propriedade privada em que se indeniza previamente em dinheiro (CF/88,art. 5º, XXIV), a requisição supõe indenização posterior, a “preço justo”, o que, à evidência, revela-se prejudicial àquele que tem requisitada a coisa de sua propriedade.

No caso das requisições administrativas de medicamentos e produtos consumíveis, somos da corrente que defende o referido ato estar mais próximo juridicamente de uma desapropriação, que levaria à necessidade de a indenização ser prévia, do que propriamente do instituto da requisição, que autoriza a Administração Pública a indenizar posteriormente à expropriação.

De todo modo, à luz da Lei n. 13.979/2020, parece-nos viável, caso sobrevenha em desfavor do cidadão e de empresas o ato administrativo de requisição, que se proceda, em regime de urgência, à sua impugnação administrativa, solicitando, com fundamento no art. 4º do diploma de regência, a negociação da necessidade pública para que a Administração, em vez de requisitar com posterior indenização, proceda à aquisição direta do bem, com a dispensa de licitação, ou mesmo à desapropriação consensual.

Frustrada essa via, há a possibilidade de impetração de Mandado de Segurança, com pedido de liminar que deverá ser apreciado em regime de urgência (Ato n. 1027/2020, art. 11, do TJPE; art. 2º, V, Resolução n. 313/2020, do CNJ), objetivando à conversão do ato de requisição baseado no Decreto em aquisição direta, com dispensa de licitação, enquadrados os bens alvo da requisição na categoria de “bens, serviços, inclusive de engenharia, e insumos destinados ao enfrentamento da emergência de saúde pública”, a que alude o art. 4º, caput, da Lei n. 13.979/2020, com o depósito em juízo, pela Administração, dos valores correspondentes à compra, eis que não há disciplina legal para a quantificação da “justa indenização”, nem previsão quanto ao tempo em que deve ocorrer seu ulterior pagamento, em caso de expropriação por requisição administrativa.

Sobre o preço justo referentes à indenização por serviços médicos hospitalares, existe precedente do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios no sentido de que “o hospital privado não possui contrato ou convênio com o Sistema Único de Saúde e não prestou os serviços nessa condição, não pode, em momento posterior, ser compelido a receber quantia referente às despesas com a internação de paciente da Rede Pública com base em valores previstos na tabela vinculada ao SUS.” (TJDFT – Apelação/Reexame necessário – 0008038-92.2011.807.0018 – Rel. NÍDIA CORRÊA LIMA – Sessão: 21/2015 Ordinária)

Com efeito, o quantum a ser fixado, a título de indenização em favor das empresas, hospitais e profissionais de saúde que tiverem seus produtos, bens ou serviços requisitados, caso não questionada na via administrativa ou judicial a legitimidade jurídica do ato expropriatório, deverá ser indexado com base em valores a serem estabelecidos pela Secretaria de Saúde do Estado de Pernambuco, que, muito provalvemente, não guardarão relação com preço de mercado.

Por tudo isso, inadequado emprego da requisição administrativa, visto que pode-se traduzir em manifesto abuso de direito por parte da Administração, conduzindo, por isso mesmo, a situações de litígios e inequívoca incerteza por parte do empresário, ainda que não contrate usualmente com o Poder Público, pois o Decreto em questão abrange a requisição dirigida aos produtos e bens de quaisquer empresas.

Sem dúvidas, o atual momento é de união e de cooperação entre a sociedade civil e o Estado, tal como demanda a necessária superação da crise de saúde. As políticas direcionadas nesse sentido não estão a salvo, no entanto, do absoluto respeito ao princípios regentes da atividade estatal, à integral transparência da gestão administrativa e às liberdades públicas.

Por todo o exposto, diante de eventual ação estatal no sentido de intervir no direito de propriedade das empresas, sugere-se a tentativa de composição extrajudicial com Administração, ou judicial, para que a cessão do bem se realize através de aquisição direta.

De todo modo, na hipótese de não ser possível a contratação direta ou reconhecimento de a intervenção estatal caracterizar desapropriação, sugere-se às empresas que, no caso de serem alvo de requisição administrativa estatal:

1) tenha em mãos minuta de Termo de Reconhecimento de Dívida;

2) no ato da requisição, colha a assinatura dos responsáveis pela ação;

3) faça constar, no documento, com as provas pertinentes, os valores praticados pela empresa na venda dos produtos requisitados;

4) requeira e acompanhe a emissão da nota de empenho, para o pagamento da justa indenização.

 

A equipe do A&PA está à disposição para ajudar no que for necessário e, em caso de dúvidas, esclarecê-las, seja por telefone ou e-mail.

Atenciosamente,

Edinaldo Amaral –                 (81) 988690508 – edinaldo@aepa.adv.br

Luiz Filipe Figueirêdo –        (81) 991871115 – luiz.filipe@aepa.adv.br

Luisa Santana –                    (81) 996017601 – luisa@aepa.adv.br

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