Aspectos tributários do arrendamento mercantil
20 de fevereiro de 2018Contratantes de empresas de terceirização também respondem por débitos trabalhistas. Saiba como reduzir riscos de ações na Justiça do Trabalho.
26 de fevereiro de 2018Regras Tributárias Próprias Impõem Planejamento Diante de Negócios com Paraísos Fiscais ou com Beneficiários de Regimes Especiais de Tributação
Os contribuintes devem ficar atentos à aplicação de regras diferenciadas quando da realização de negócios com países considerados como “paraísos fiscais”. Muito associado às investigações e declarações dos “midias”, o conceito de paraísos fiscais, no entanto, não é uniforme no âmbito da comunidade internacional, de forma que pode ser mais ou menos abrangente, a depender da visão de cada Estado. Certamente, é um tema, também, permeado de influências políticas.
Dessa forma, para a estruturação de planejamentos empresariais e tributários, a ideia de paraísos fiscais deve ser contextualizada em face à legislação em vigor no Brasil, o que fornecerá mais objetividade nas análises feitas pelos contribuintes.
Em geral, transações com Estados de regime tributário mais favorável (denominação elegante para os paraísos fiscais) têm sido uma preocupação cada vez maior por parte das autoridades fiscais brasileiras, nomeadamente em virtude da pressão exercida pela OCDE e pela União Europeia, em um cenário de combate à concorrência fiscal desleal entre Estados. Esse movimento têm levado ao incremento nas regras aplicáveis aos negócios realizados com paraísos fiscais, em especial a partir do início da década.
Portanto, o contribuinte brasileiro deve, em primeiro lugar, analisar se seus negócios internacionais envolvem partes residentes ou domiciliadas em qualquer dos países listados pelo Art. 1º da Instrução Normativa RFB nº 1.037, de 2010, recentemente atualizada por meio da IN RFB nº 1.773, de 2017.
A lista indicada representa, em termos práticos, os países considerados pelo Brasil como, de fato, paraísos fiscais. Essa ideia de “pré categorização” dos Estados, no entanto, é uma adaptação brasileira de uma prática recorrente no âmbito europeu há bastante tempo, mas que, no velho continente, já dá sinais de falência e começa a ser adaptada (ou, ao menos, reduzida).
Pois bem. O primeiro problema que enfrenta o contribuinte brasileiro diante dessa pré categorização é o fato de que, ao realizar negócios com residentes ou domiciliados nas jurisdições listadas, há uma certa presunção de obtenção, por parte do contribuinte, de uma vantagem fiscal indevida ou injusta, ocasião em que o Estado brasileiro procura, portanto, corrigir.
Sendo assim, a “correção” adotada pelo Estado brasileiro é constatada a partir de dois elementos essenciais, aplicáveis aos negócios em discussão. O primeiro deles é a elevação da alíquota de IRPJ devido – passa a ser de 25%, e não mais de 15%, conforme regularmente aplicado. Em segundo plano, há a existência de uma regra de preços de transferência, específica para negócios com entidades beneficiárias de regimes fiscais mais favoráveis.
O problema da elevação das alíquotas, a partir do simples fato de se estar diante de um país listado, pode levar à dupla tributação do contribuinte nacional, haja vista que a falta de análise do caso concreto, em face da já mencionada presunção inilidível, gera uma rigidez incompatível com a dinâmica tributária e econômica internacional.
Com relação à regra de preço de transferência, deve o contribuinte manter-se atento aos valores de suas transferências, tanto para os casos de importação como para os de exportação. A aplicação de regra de preço de transferência busca a tributação do valor real envolvido nos negócios, e não os declarados, quando os valores das transações apresentarem distorções em relação aos valores, em tese, praticados pelo mercado. Esses valores, diga-se, não são meramente arbitrados pelo poder público, assim como também não são valores que o contribuinte simplesmente apresente ao fisco, são, por outro lado, valores encontrados a partir da aplicação de uma metodologia própria, pela administração fiscal. A análise e declaração desses valores deve, portanto, observar a legislação específica para cada categoria de produtos.
A aplicação dos preços de transferência, enquanto uma regra anti-abuso, visa combater as situações nas quais um grupo empresarial monta um negócio transfronteiriço com valores irreais, apenas para deslocar as bases tributáveis entre os Estados envolvidos. Sendo assim, o contribuinte deve estar sempre atento para não se prejudicar diante de eventual desajuste nos preços de transferência aplicados pelo Brasil, de forma que possa, sempre, munir-se de subsídios para contestá-los.
Ora, os problemas causados pela adoção de uma lista responsável pela “pré categorização” dos países como paraísos fiscais, conforme sumariamente analisados, são, por si próprios, argumentos que surgem no sentido da necessidade de revisão da estratégia adotada pelo fisco brasileiro.
No âmbito da União Europeia e da OCDE, a tendência verificada nos últimos anos é a de que os países que de fato possuíssem uma lista deveriam diminuí-la reduzindo, assim, o número de presunções inilidíveis ou quase inilidíveis. Países com fiscos mais eficientes, a exemplo da Alemanha, já não possuem qualquer lista, de maneira que baseiam seus controles sobre os contribuintes com o uso de regras anti-abuso mais efetivas e com foco no caso específico. Inclusive, há, na UE, projeto para a elaboração e adoção de uma lista única para o bloco, mas que certamente terá uma abrangência bastante reduzida.
O Brasil, nos parece, ainda não se alinha com essa tendência. Fato é que, da forma como se encontra posta, a lista brasileira pode gerar prejuízos aos contribuintes e reforça – conforme já o fizemos – a necessidade de um sólido planejamento tributário e empresarial.
A lista brasileira, apesar de razoavelmente extensa, por certo não seria capaz de englobar todas as situações em que os contribuintes nacionais buscassem um deslocamento de suas bases tributárias. Dessa forma, o legislador buscou, também, ampliar as medidas de combate à erosão das bases tributáveis e à transferência de lucro, de forma que considerou, para efeito de aplicação das alíquotas elevadas e dos preços de transferência, algumas outras situações.
Assim, deve o contribuinte buscar identificar se os seus negócios estão a ser realizados com sujeito passivo envolvido com algum regime especial de tributação. É importante, pois, saber como identificar esse regime, detalhado a partir da Lei nº 11.727, de 2008.
De acordo com o referido dispositivo, há quatro situações que caracterizam o regime especial de tributação, sendo desnecessária a cumulatividade entre os pontos – ou seja, basta que se constate a existência de um deles.
A primeira delas ocorre quando o Estado de residência ou domicílio da parte que negocie com o contribuinte brasileiro não tribute a renda ou a tribute à alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento). Nos casos de países que se comprometam com a transparência fiscal internacional, nomeadamente aqueles com acordos bilaterais com o Brasil ou os signatários do Fórum Global para a Transparência e Troca de Informações Fiscais, da OCDE, a alíquota máxima passa a ser inferior a 17%.
Ademais, também é tido como regime fiscal mais favorável, para fins das normas brasileiras, aquele de jurisdição que conceda vantagem de natureza fiscal a pessoa física ou jurídica não residente sem exigência de realização de atividade econômica substantiva no país ou dependência ou, ainda, que a vantagem seja condicionada ao não exercício dessa atividade. Em outros termos, é mais favorável um regime que conceda benefícios fiscais para entidades que não sejam Estabelecimentos Estáveis.
Também é caso de regime mais favorável aquele no qual não haja tributação, ou o faça em alíquota máxima inferior a 20% (vinte por cento), sobre os rendimentos auferidos fora de seu território.
Por fim, as medidas anti-abuso se aplicam, também, no caso do Estado não permitir o acesso a informações relativas à composição societária, titularidade de bens ou direitos ou às operações econômicas realizadas.
Nesse diapasão, portanto, pode o contribuinte brasileiro ter que arcar com maior carga tributária, em relação ao IRPJ e à CSLL, mesmo com negócios com os EUA, Portugal, Espanha ou diversos outros países, que, certamente, não estarão na lista dos paraísos fiscais. Isso ocorre, em muitos casos, quando esses países elaboram programas especiais de tributação, que se traduzem em algumas das situações anteriormente expostas.
Assim, a própria RFB já se manifestou no sentido de estarem incluídos no rol dos “regimes mais favoráveis” o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de Limited Liability Company (LLC) estaduais, cuja participação seja composta de não residentes, não sujeitas ao imposto de renda federal, nos EUA; o regime do Centro Internacional de Negócios da Madeira, em Portugal (CINM) e o regime aplicável às pessoas jurídicas constituídas sob a forma de Entidad de Tenencia de Valores Extranjeros (E.T.V.Es.), na Espanha, assim como inúmeros outros regimes específicos ao redor do mundo.
Conclui-se, portanto, que deve o contribuinte brasileiro ter bastante atenção quando da sua escolha de parceiros comerciais transfronteiriços. Há, de fato, uma grande diferença nas alíquotas aplicadas que podem se traduzir em um custo excessivo para o contribuinte e diminuir a sua competitividade no mercado. Um estudo detalhado dos regimes tributários dos Estados com os quais se deseja negociar, assim como dos acordos bilaterais do Brasil, se torna fundamental, como parte de estratégia empresarial e planejamento tributário eficazes.